Você se Considera Normal? A Resposta Chocante de Gabor Maté (e Como a Meditação Pode te Salvar)

Você já parou para pensar se o que a nossa sociedade chama de “normal” é, na verdade, saudável? Correr o dia todo, viver sob constante pressão, sentir-se ansioso e exausto… encaramos tudo isso como o preço a pagar pelo sucesso e pela vida moderna. Mas e se essa “normalidade” for, na verdade, a raiz de grande parte do nosso sofrimento físico e mental? E se a nossa busca incessante por nos encaixarmos nesse padrão for, ironicamente, o que mais nos adoeça?

Essa é a premissa provocadora e transformadora do aclamado médico e autor Gabor Maté em seu livro revolucionário, “O Mito do Normal: Trauma, Doença e Cura em uma Cultura Tóxica”. Para Maté, muitas das doenças que nos afligem — da depressão e ansiedade às condições autoimunes e cardíacas — não são meros acidentes biológicos, mas sim respostas previsíveis a um ambiente cultural que nos desconecta de nós mesmos. Este artigo vai te levar a uma jornada profunda por essa ideia e te mostrar como práticas milenares, como a meditação e a compaixão, são as ferramentas mais poderosas que temos para nos resgatar e encontrar a verdadeira saúde em um mundo doente.

Desvendando o Mito: Por Que Viver no “Normal” Está te Adoecendo

Imagine um peixe vivendo em um aquário de água suja e poluída. Ele começa a apresentar sinais de doença, suas escamas perdem o brilho, seus movimentos se tornam lentos. Um veterinário poderia prescrever um remédio para o peixe, mas enquanto a água do aquário não for limpa, o peixe nunca será verdadeiramente saudável. Para Gabor Maté, nós somos esse peixe, e a nossa cultura moderna é o aquário de água tóxica. Ele argumenta que nossa sociedade normalizou condições que são inerentemente anormais para o ser humano: o estresse crônico, o isolamento social, a supressão das emoções e a desconexão com a natureza e, mais importante, com a nossa própria essência(1).

O autor conecta de forma brilhante os pontos entre o trauma — que ele define de forma ampla, não apenas como grandes eventos catastróficos, mas como qualquer experiência que nos cause uma desconexão de nós mesmos — e o surgimento de doenças. Essa desconexão acontece quando, para sobreviver ou sermos aceitos em nosso ambiente (seja na família, na escola ou no trabalho), aprendemos a ignorar nossas necessidades e a silenciar nossas emoções. Como Maté afirma em uma entrevista, “o trauma não é o que acontece com você, é o que acontece dentro de você como resultado do que aconteceu com você” (2). Essa ferida interna, essa cisão do eu autêntico, é o que abre as portas para o adoecimento.

O Corpo Grita o Que a Mente Calou: A Linguagem Secreta dos Sintomas

Você já sentiu aquela dor de cabeça persistente que nunca passa? Ou aquela gastrite que ataca sempre que você está sob pressão? A medicina ocidental, muitas vezes, trata esses sintomas como problemas isolados. Maté, no entanto, nos convida a vê-los como mensageiros. Nossos corpos, segundo ele, estão tentando desesperadamente nos comunicar uma verdade que nossa mente consciente se recusa a ouvir.

Desde cedo, somos condicionados a acreditar que certas emoções são “negativas” ou “inaceitáveis”. A raiva, a tristeza, o medo… aprendemos a engolir esses sentimentos para parecermos “fortes” e “normais”. O problema é que emoções não processadas não desaparecem – elas se alojam em nosso corpo. É como tentar segurar uma rolha de cortiça debaixo d’água com toda a força; a pressão é imensa e constante, e em algum momento, algo vai ceder. Um estudo de revisão publicado no jornal Family Medicine destaca que, segundo a tese de Maté, essa supressão emocional crônica tem um custo biológico real, aumentando o risco de inflamações e de doenças como esclerose múltipla e fibromialgia (3). Sua dor crônica pode ser a manifestação de uma tristeza não chorada; sua ansiedade, um grito por segurança que nunca foi atendido.

O Caminho de Volta para Casa: Meditação e Compaixão como Ferramentas de Reconexão

Se o problema central é a desconexão, a solução, logicamente, é a reconexão. E é aqui que a meditação e a compaixão entram como práticas de cura profundas e com sólida base científica.

Meditação: A Coragem de Ficar e Sentir

Ao contrário do que muitos pensam, meditar não é sobre “esvaziar a mente” ou forçar-se a não pensar em nada. Isso seria apenas mais uma forma de supressão. A prática de mindfulness, ou atenção plena, é o exato oposto: é o treinamento para estar presente com o que quer que surja em sua consciência — pensamentos, emoções, sensações corporais — com uma atitude de curiosidade e aceitação, sem julgamento.

É a coragem de finalmente parar de fugir. Em vez de pegar o celular, ligar a TV ou abrir a geladeira no primeiro sinal de desconforto, você se senta e permite que a emoção esteja ali. A ciência mostra que essa prática transforma nosso cérebro. Estudos de neurociência indicam que a meditação regular diminui a reatividade da amígdala (o nosso “alarme” de estresse) e fortalece o córtex pré-frontal, a área responsável pelo planejamento, tomada de decisões e regulação emocional (4). Em outras palavras, você não deixa de sentir, mas aprende a responder às suas emoções em vez de reagir a elas no piloto automático.

Compaixão: O Antídoto para a Voz Crítica Interna

Um dos aspectos mais tóxicos da nossa cultura é a autocrítica implacável que ela nos ensina. Falhamos e nos chamamos de “fracassados”. Sentimos dor e nos dizemos para “superar logo”. A compaixão, e mais especificamente a autocompaixão, é o antídoto radical para esse veneno. Trata-se de aprender a se tratar com a mesma gentileza, cuidado e compreensão que você ofereceria a um bom amigo que está passando por um momento difícil.

Essa não é uma ideia sentimental, mas uma poderosa intervenção psicológica. Pesquisas extensas, como uma revisão publicada na Clinical Psychology Review, demonstram que a prática da Meditação da Bondade Amorosa (Loving-Kindness Meditation) e da Compaixão está associada a um aumento significativo de emoções positivas, redução do estresse e ativação de áreas cerebrais ligadas à empatia e ao afeto (5).

Gabor Maté propõe uma técnica chamada “investigação compassiva”. Em vez de se perguntar, com julgamento, “O que há de errado comigo?”, a proposta é perguntar com genuína curiosidade: “O que aconteceu comigo para que eu me sinta assim?” ou “Qual necessidade profunda essa dor está tentando expressar?”. Essa mudança de perspectiva é o início da cura. Ela nos tira do papel de juiz e carrasco e nos coloca no lugar de um cuidador sábio e gentil de nós mesmos.

Conclusão: Redefinindo o Que é Ser Normal

O trabalho de Gabor Maté é um chamado urgente para despertarmos. Ele nos mostra que a verdadeira normalidade não é se adaptar sem questionar a uma sociedade que nos adoece, mas sim ter a coragem de honrar nossa autenticidade e cultivar uma conexão profunda e compassiva conosco mesmos. A jornada para além do mito do normal não exige uma mudança drástica no mundo exterior, mas sim uma revolução silenciosa no nosso mundo interior.

Meditação e compaixão não são fugas da realidade. Pelo contrário, são as ferramentas mais eficazes que temos para encarar a realidade de frente — a realidade de nossas dores, de nossos traumas e de nossas necessidades não atendidas — e, a partir daí, começar a nos curar de verdade. A jornada começa com um único passo: uma respiração consciente, um momento de pausa, um ato de gentileza para consigo mesmo. Que tal começar agora?

Referências

[1] Maté, G., & Maté, D. (2022). The Myth of Normal: Trauma, Illness, & Healing in a Toxic Culture. Avery/Penguin Random House.

[2] Democracy Now. (2022, September 16). “The Myth of Normal”: Dr. Gabor Maté on Trauma, Illness & Healing in a Toxic Culture.

[3] Fogleman, C. D. (2024). The Myth of Normal: Trauma, Illness, and Healing in a Toxic Culture. Family Medicine, 56(1), 58–59.

[4] Menezes, C. B., & Dell’Aglio, D. D. (2009). Os efeitos da meditação à luz da investigação científica em Psicologia: revisão de literatura. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(2), 276-289.

[5] Hofmann, S. G., Grossman, P., & Hinton, D. E. (2011). Loving-kindness and compassion meditation: Potential for psychological interventions. Clinical Psychology Review, 31(7), 1126–1132.

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